• Maio 17, 2024

Todo o dia é dia de Tomás Ruão bailarinar

Todo o dia é dia de Tomás Ruão bailarinar

Tomás Ruão usa o corpo como só os bailarinos conseguem fazer para conseguir contar em palco uma história. A sua começou em Paredes, ainda menino de escola, por influência da irmã, “uma grande bailarina” a quem uma lesão no pé travou o sonho, e continuou anos depois no Mónaco, onde se prepara para terminar os estudos iniciados em 2020, após admissão na Academy Princesse Grace, a sua “escola de sonho”. Aos 19 anos, já ganhou prémios internacionais e bolsas que lhe permitiram visitar algumas das maiores escolas de ballet do mundo, e, em 2025, vai começar a dançar profissionalmente no Royal Swedish Ballet, em Estocolmo, na Suécia. O PAREDENSE conta-lhe a história deste jovem prodígio do ballet…

Nasceu em Cedofeita, no Porto, mas cresceu e viveu quase sempre em Paredes, tendo sido no Conservatório de Dança do Vale do Sousa (CDVS) que aprendeu mais a sério os primeiros passos, que procurava imitar na irmã Margarida, ainda hoje a sua “maior inspiração”.

“Ela sempre foi um exemplo enorme e uma inspiração ainda maior, mas, infelizmente, parou de dançar após um ano a estudar em Londres, devido a uma lesão no pé. Hoje quero poder conquistar este sonho por mim e também por ela”, disse Tomás Ruão, em declarações ao jornal O PAREDENSE.

A homenagem à Magui, diminutivo de Margarida, recua aos primeiros tempos, quando “ainda bebé assistia aos espetáculos dela em DVD” e ficava “fascinado”, procurando “imitá-la” nos jantares de família. Tomás tinha a cumplicidade e ajuda dos primos na preparação dos espetáculos a que “todos eram obrigados a assistir”.

Estava ali a semente que seria, pouco depois germinada no CDVS, onde permaneceu 11 anos.

Paixão de criança por influência da irmã

 

“Sem o exemplo da minha irmã, esta maravilhosa arte nunca teria entrado nos meus sonhos, e, sem os melhores pais do mundo, estes não teriam passado disso mesmo. Graças a eles, ao meu núcleo familiar, tive o apoio que precisava para aprender em Paredes e para, depois, conseguir abrir as portas que me levaram mais longe”, reconheceu.

Tomás confessou-se ‘contaminado’ pela dança “antes ou durante a primária”, mas seria “a partir do quinto ano, com 10 ou 11 anos”, que percebeu as qualidades que tinha.

“Os professores do CDVS fizeram-me perceber que, com trabalho, poderia chegar longe e foram apostando cada vez mais em mim. Foi nessa altura que percebi que até era bom naquilo que estava a fazer”, recordou.

A partir dessa altura, Tomás Ruão começou a ter “uma aprendizagem diferenciada e trabalho mais personalizado”, incidindo naquelas que seriam as suas maiores dificuldades na altura, para melhor ir ao encontro das suas necessidades.

Vitórias internacionais valeram bolsas

Por esta altura já dominava, certamente, a técnica e executava com graciosidade e perfeição muitos dos passes do ballet, logrando “ter sucesso em algumas competições”, o que lhe abriu muitas portas para ver o mundo da dança lá fora.

Das competições internacionais em que competiu, destacou o Youth American Grand Prix, onde participou em 2018 (Itália) e 2019 (França), tendo obtido nas duas provas o primeiro lugar em Contemporâneo e o segundo em Clássico.

“Nestas mesmas competições recebi bolsas com que pude visitar a Escola da Ópera de Paris, em França, a Royal Ballet School, em Londres, Inglaterra, a escola do Teatro Alla Scalla em Milão, Itália. Mas, também, a European School of Ballet, em Amsterdão, na Holanda, a John Cranko Ballet School, em Estugarda, na Alemanha, ou a Academy Princesse Grace, no Mónaco, onde me encontro hoje”, enumerou.

Contrato de trabalho em Estocolmo

Em 2020, na altura da primeira pandemia por Covid-19, Tomás foi aceite na sua escola de sonho, a Academy Princesse Grace. “A partir desse momento não foi difícil de escolher o caminho”, confessou. Nesse mesmo ano, em setembro, mudou-se para o Mónaco, onde estuda há quatro anos. “No final deste ano, irei acabar a formação e graduar-me com um contrato de trabalho no Royal Swedish Ballet em Estocolmo, na Suécia, onde irei começar a dançar profissionalmente no próximo ano”, concluiu.

Pais atentos e amigos protetores

Amor abafou preconceito

Tomás Ruão disse ter resistido sempre de frente ao preconceito envolvendo rapazes na dança, assegurando que o amor dos pais e a proteção dos amigos pesaram sempre mais do que ignorância e tornaram tudo mais fácil.

“Sempre foram mais as pessoas que me deram suporte e se orgulhavam de mim do que aqueles que gozavam. Por isso, na balança, o amor acabou sempre por pesar mais, o que tornou tudo mais fácil”, disse o bailarino paredense.

Na lista que mais conta, Tomás incluiu os “pais atentos” e “os grupos de amigos” que sempre o apoiaram, nos quais disse ter encontrado quem inclusive partilhava o mesmo sonho. Confessou ainda que procurou sempre desvalorizar quem o tentava puxar para baixo, admitindo até ter ido buscar forças a esses momentos para “tentar ser bom, ou ainda melhor, naquilo que estava a fazer”.

“Em termos pessoais, sempre senti que o gozo estava sempre mais presente até essas pessoas me verem realmente a dançar. Isso acontece porque a maioria pensa que os rapazes no ballet têm o mesmo papel que a rapariga, o que os impede de ver o virtuosismo técnico que um rapaz precisa de ter, do controlo e força que tem que ter para dançar, por exemplo, um Pas de Deux”, sublinhou.

Uma questão cultural

Para Tomás Ruão, o preconceito é cultural e radica na ignorância. “Quanto menos ignorantes forem as pessoas em relação a um assunto, seja ele qual for, menos razões têm para gozar”, explicou. Lembrou, por outro lado, a especificidade do ballet, “uma das artes mais difíceis”. “O nosso instrumento é o nosso corpo e, sozinhos ou em grupo, os nossos corpos têm que conseguir contar uma história”, concluiu.

Um dia na vida de… Tomás Ruão

O preço da excelência

Trabalho árduo, sacrifício, tempo investido, preparação minuciosa, disposição de receber e acolher críticas construtivas são, normalmente, alguns dos fios condutores da disciplina imposta a quem persegue a excelência. E isso é válido até para os talentosos, como Tomás Ruão. O jovem paredense, de 19 anos, revela um dia normal da sua vida… de bailarino.

Tomás acorda por volta das 07:00, toma o pequeno-almoço e prepara-se para estar no estúdio às 08:00 a aquecer para a aula que começa às 08:30. Normalmente, a primeira aula de ballet dura duas horas, prolongando-se, assim, até às 10:30.

O resto do dia, diz Tomás, varia de semana para semana, em que umas são mais focadas na dança clássica, implicando aulas de variação, pas de deux e técnica, e outras em contemporâneo, consubstanciadas em workshops alusivos ao tema com professores convidados ou aulas de composição coreográfica. Mas também há semanas em que o foco está nos ensaios para os espetáculos que os alunos da Academy Princesse Grace, no Mónaco, têm durante o ano.

Seguem-se aulas/ensaios até às 12:30, recomeçando às 13:30, após uma hora para almoço. As aulas práticas prolongam-se até por volta das 17:00, seguindo-se, normalmente, aulas teóricas até à hora de jantar, geralmente por volta das 19:30.

O jantar antecede a hora de recolher e a preparação para ir dormir às 22:00.

Isto estende-se durante todos os dias da semana: ao sábado, normalmente, trabalham só da parte da manhã, e o domingo, finalmente, é dia de descanso.