- Julho 12, 2024
Sara Alves. Do futsal à arbitragem foram sete anos de distância
Pais reagiram mal à decisão
Não sabia identificar um fora-de-jogo e hoje não há pisão que lhe escape. Eis o retrato resumido da menina que sempre adorou futebol e que um dia trocou as balizas do futsal pelo apito no futebol de 11.
Sara Alves sempre gostou da bola e um dia, ainda em idade escolar, levou a sério o desafio da professora de Educação Física, antiga treinadora do antigo internacional Ricardinho, e acabou a jogar futsal. Foi guarda-redes do Rebordosa durante sete anos, até um ex-árbitro que conheceu a ter convencido a tirar o curso. Tinha 19 anos e a oportunidade de continuar ligada ao desporto. O processo não foi fácil e por várias vezes pensou em desistir. “Não sabia sequer o que era um fora de jogo. De fora parece tudo fácil, são só 17 leis, mas há muitas situações para perceber. Pensei desistir durante a formação e, depois, após o primeiro jogo, de juvenis, em 2012, como auxiliar num Lousada – Penafiel, cometi vários erros e fui insultada de tudo. No final, lembro-me bem, disse que não estava para aquilo”, recordou ao jornal O PAREDENSE.
Choque para os pais
Sara Alves resistiu, no entanto, à tentação e levou a sua avante, contrariando o desejo dos pais. “De início foi um choque para eles, não aceitaram bem, e é hoje o dia que a minha mãe fica doente com as coisas que ouve, preferindo ver a maioria dos jogos pela televisão”, confessou. E, sem se deter, juntou: “Também não esqueço as palavras do meu pai: ‘O que é vais fazer para esse mundo!?’”. Deixou escapar timidamente um sorriso ao recordar essa passagem, porque nunca é fácil lidar com a falta de cultura desportiva, na sua opinião mais evidente no setor masculino e em jogos da formação.
“Chega a um ponto em que já é natural lidar com os pouco naturais insultos. A meu ver o maior ‘cancro’ do desporto, a esse nível, está na formação, sobretudo nos jogos dos rapazes, e em tudo o que está fora de campo. Há mais respeito no feminino”, sublinhou. No seu caso, “normalmente, quase nunca” fica sem resposta, mas também já lhe aconteceu esforçar-se para evitar reagir com um sorriso a um piropo, sem detalhar.
Não basta saber as leis de jogo
Ao curso, com formação diária por três a quatro meses, seguiu-se a prova escrita e o teste físico (as avaliações são uma prática corrente na arbitragem, com a realização anual de dois testes escritos, duas provas físicas e a avaliação em campo, com repetições variáveis de acordo com a hierarquia dos elementos). Sara estreou-se como auxiliar, no citado jogo em Lousada, e foi alternando com as funções de árbitra, como mais queria e pensa ter mais vocação.
A juíza paredense confessa que se sentiu “sempre mais confortável no meio do jogo”, como testemunhou após o primeiro jogo como árbitra, no mesmo ano de 2012, num Cristelo – Paredes, em infantis.
“O lado de jogadora ajudou na arbitragem, porque um árbitro não pode apenas perceber de leis, tem de perceber, também, de futebol. A maturidade, hoje, também é outra e isso ajuda. Sinto que estou melhor na gestão das pessoas”, confessou.
Para a jovem árbitra, de 33 anos, “a movimentação é o maior desafio”, o que faz depender em grande medida da capacidade de ler o jogo, sentenciando: “A pior coisa é levar com a bola, porque isso, regra geral, é sinal de que estou mal colocada em campo”. O resto aprende-se ou melhora-se. Como os pisões em campo. “Eu tenho e uso uma estratégia de foco, que é não olhar para o portador [da bola], mas para quem lhe está mais próximo. Antes, também não costumava ver pisões, mas, com a ajuda de técnicos da federação, é hoje o dia que não falho um pisão”, precisou.
Na primeira categoria desde 2019/20
Sara Alves entrou para o quadro de árbitros de primeira categoria na temporada 2019/20 e sente ter competências para apitar jogos masculinos, mas confessa não querer submeter o corpo “ao esforço das muito exigentes provas físicas” que teria de fazer ao lado dos colegas homens.
“Quero manter-me no topo e manter o registo, sem pensar muito se as insígnias de internacional chegam ou não, optando por aguardar sempre as coisas de forma serena”, referiu. Sara não conseguiu esconder o brilho mais reluzente ao recordar a participação, como quarto elemento da equipa de arbitragem (normalmente chefiada pela Sandra Bastos, a mais conceituada em Portugal), em jogos internacionais, seja para a Liga dos Campeões ou apuramentos para o Campeonato do Mundo.
Por um mês, ainda foi árbitra profissional, cujo quadro foi este ano alargado às mulheres, mas tem negócio próprio como auditora e não pensa deixar isso para trás.
“Como ouvi uma vez, e costumo repetir, a arbitragem é a coisa mais importante das menos importantes”, repetiu, sem revelar planos para o seu futuro na arbitragem.
A idade limite situa-se nos 45 anos, mas a paredense não sabe se terá predisposição física e mental para lá chegar, o que não a impede de revelar o “grande desejo” de apitar, entretanto, a Supertaça feminina.
Jogos com história
Sara Alves já estava preparada para a pergunta e não deixou cair no esquecimento o jogo dos jogos na sua carreira. “Foi um Rebordosa – Aliados, em seniores masculinos, há dois anos. Foi um jogo à noite, que terminou empatado, 2-2, durinho, como os dérbis, com a particularidade de nada ter dito à minha família”, revelou a árbitra paredense, cuja família é toda de Rebordosa, com exceção do avô paterno, natural de Lordelo.
Já na última época, no derradeiro e decisivo jogo da Liga feminina, Sara Alves apitou o Benfica – Racing Power, que daria triunfo e título às ‘encarnadas’, num “encontro de muitas decisões”.
Bem-vindo (ao) VAR
A jovem árbitra paredense agradece a entrada do videoárbitro nos jogos da Liga feminina, pela segurança de existir, no ato contínuo à decisão, quem possa corrigir ou alertar quem dirige o jogo para um erro mais evidente. “É uma ajuda para mim, mesmo que possa manter a decisão após ver as imagens, como já aconteceu. Mas é sempre preferível isso a não haver nada”, defendeu. Sara Alves sabe do que fala, pois, antes do VAR, já apitou um jogo em que um erro seu teve interferência direta no resultado. “Só quem anda lá dentro, vai perceber isto, mas fiquei doente nesses casos, porque ninguém quer errar”, assegurou.
Lei do retorno
A vivência de atleta, a experiência acumulada em campo ao longo dos anos, e a maturidade como pessoa influenciam diretamente a prestação da árbitra Sara Alves. A paredense admite a relação e assume que, com o tempo, tem “melhorado na gestão de pessoas”. “Sou respeitada, porque respeito todas as jogadoras, que, antes de tudo, são pessoas”, explicou. E deu o exemplo de duas atletas cujo primeiro impacto não correu nada bem. “Tenho hoje uma ótima relação em campo com a Ana Teles e a Vanessa Marques, porque já nos conhecemos e percebemos melhor, mas o primeiro impacto foi impactante, sempre de discussão”, concluiu.