- Junho 18, 2024
Uma vida de incerteza a fazer o que mais gosta
Peças em madeira vão de um euro aos 100
Uma vida de incerteza a fazer o que mais gosta
Concluiu o 9.º ano de escolaridade e foi ajudar o pai na oficina de casa, mas o que começou por ser um part-time familiar virou rapidamente o sustento de Luís Sousa, um autodidata apaixonado pelo artesanato em madeira.
Do pai herdou o nome e a oficina, dele ganhou-lhe a paixão e com ele aprendeu e aperfeiçoou as técnicas de trabalhar a madeira, que hoje, 26 anos depois, aos 40, lhe permitem viver do artesanato e para o artesanato.
“Saí da escola aos 14 anos, com o 9.º ano, e o primeiro impulso foi ajudar o meu pai, que trabalhava imenso para sustentar a mulher e os quatro filhos. Já levo 26 anos nesta vida, 25 sempre a seu lado, até à sua morte”, disse Luís Sousa, ao jornal O PAREDENSE.
O brilho no olhar acompanha cada palavra sua, e nem a jornada diária de trabalho, “das 08:00 às 20:00”, o fez vacilar.
Paixão acima de tudo
“Dá sempre para a sopa, mas é uma vida incerta. Não sei o que é o fim do mês ou um salário base, embora o principal aqui seja ter gosto no que se faz”, sintetizou.
Na loja, outrora o café explorado pelo pai, amontoam-se as peças, de diferentes tamanhos e a perder de vista, numa desorganização organizada, ao ponto de Luís Sousa perceber, conforme já testemunhado por terceiros, qualquer mudança na ordem, sentido ou lugar das mesmas.
Primeiro as garrafas
Os quebra-cabeças são de coleção e “uma paixão de criança”, as garrafas cujo ‘recheio’ é montado manualmente, peça por peça, vão ganhando dimensão, mas também estão religiosamente expostas e não têm preço. O que sobra varia entre um euro e os 100, mas o tempo de trabalho pode ir de uma hora a vários dias.
Luís Sousa lamenta os que desvalorizam o trabalho e quem, ainda em maior número, tente levar ‘lebre’ e pagar ‘gato’.
O rapa e os piões são os mais baratos e integram a linha de brinquedos que viu o pai criar para fazer dinheiro nas feiras. “Mas tudo começou nas garrafas com os nomes no interior, ainda hoje dos artigos com mais saída, depois vieram os suportes e depois é o cliente que dita”, sublinhou.
Internet ajuda a divulgar
Luís Sousa trabalha muito para revenda, sem cliente certo, mas tem apostado “cada vez mais no mercado final”, hoje com “grande procura de fotógrafos” (por “cavalos de ‘pau’ ou avionetas de madeira”) para “montagem de cenários”. A internet veio mudar o paradigma e abrir novos caminhos, como a página “Artesanato em Madeira”, que o paredense do Padrão, em Rebordosa, criou e que funciona de montra para os seus trabalhos. “Antes a publicidade era feita mais pelo boca-a-boca, hoje a internet permite outras coisas, embora seja mais um vendedor de mão. Não faço entregas, nem envios”, afirmou o artesão.
Viver do artesanato
Na oficina, contígua ao armazém, Luís Sousa tem as ferramentas do pai e uma pequena televisão por companhia, avançando de mesa em mesa até apurar o produto final. Recorre a madeira de carvalho para as garrafas usadas no envelhecimento de aguardentes e madeira de pinho e castanho nas restantes peças, que cria da sua imaginação ou por sugestão dos clientes.
“Espero que isto nunca acabe e que eu consiga viver disto para sempre. Só tenho medo de estar quieto”, concluiu.
À semelhança do pai, Luís Sousa prefere discutir artesanato na mesa de trabalho do que esgrimir argumentos a partir de um qualquer título de artesão, numa forma de estar que transmite a quem o visita, como infantários da região ou até alunos de Erasmus da escola em Vilela.
Pai era autodidata de qualidade
Os avós de Luís Sousa trabalhavam na lavoura e o pai – garantiu – era um autodidata, que, em pouco tempo nas fábricas por onde passou, dominava logo a talha ou o torno, assumindo rapidamente cargos de maior responsabilidade. E criava. Muito e bem. Começou pelas garrafas, seguiu pelos brinquedos e todos os dias, sem pausas até nos oito anos de luta contra a leucemia que o haveria de derrotar, trabalhava, ensinando o filho, com o mesmo nome, a evoluir. Luís Sousa (jr.), herdeiro do negócio, não esconde a ambição de ter um dia um espaço em casa para contemplar todas as peças, que conhece de cor, confessando uma “certa dor e ciúme” se as mesmas tivessem como destino um museu.