• Junho 3, 2024

A voz do olhar de Nuno Santiago

A voz do olhar de Nuno Santiago

O que dizem os olhos de quem olha profissionalmente

A voz do olhar de Nuno Santiago

Não há um olhar único sobre a mesma realidade e o testemunho de Nuno Santiago, há muitos anos a refletir a realidade através de um óculo, atrás de uma câmara, mostra como olhos treinados veem com menos ruído.

Se perguntarem a Nuno Santiago o que dizem os seus olhos, é possível ficarem surpreendidos com a forma representa o que vê. Operador de câmara por conta própria, com colaboração regular na SIC, depois de passagem pela RTP, assegura que, “quem olha pela câmara, através de uma lente, não olha igual aos outros”, encontrando semelhanças com o olhar de um treinador por comparação aos espetadores. “Fora da câmara, sem querer, estou sempre a treinar a história que poderia contar, e a câmara força-nos a olhar com a cabeça. Dou como exemplo o facto de ser capaz de olhar para uma parede e perceber mais rapidamente os seus defeitos e virtudes”, disse Nuno Santiago, ao jornal O PAREDENSE.

Ao construir mentalmente as perspetivas da história que está ou pode filmar, procura o essencial, preocupando-se com os aspetos técnicos, sem se deixar levar em demasia pelo lado mais estético, no seu caso muito latente por trabalhar muito com o mundo da moda e calçado. “Posso ter planos top, mas preciso contar o que se passa e não devo perder o fio à meada. Se sinto que me estou a deixar levar pela cena, pouso a câmara e afasto-me um pouco para me proteger e não deixar que a parte estética interfira na história”, sublinhou.

Elogios à ‘escola dos casamentos’

Nuno Santiago, de 50 anos, dos quais quase 40 a ver o mundo por uma lente, reúne os conhecimentos e a experiência necessários para minimizar ao máximo as falhas, repetindo à exaustão para quem tem o “bichinho das câmaras” que “a imagem tem de ser apelativa, mas não pode estar muito condimentada”.

“A escola dos casamentos é a melhor para as coisas não falharem e para moldar o olhar, porque aquilo não se repete e é preciso uma rapidez incrível de adaptação à realidade, analisar as coisas e ter um plano A, B, C, e mais o D, que é como quem diz, seja o que Deus quiser”, referiu, em sorrisos, o ‘gandarense’.

Para Nuno Santiago, a dificuldade reside nas situações em que existem poucos elementos para compor a imagem, sendo, por isso, necessário “puxar pela veia artística, criando um ponto de equilíbrio para contar a história”.

“O meu stress é tentar fazer sempre bem e em tudo tem que haver paixão. Que o faz só pelo dinheiro, desliga-se mais; quem o faz por gosto, o olhar é mais ‘pesado’, porque a imagem tem de estar no ponto”, concluiu.

 

Começou pela fotografia e fixou-se nas filmagens

Nuno ‘contagiado’ pelo pai fotógrafo

O ténis e os automóveis eram paixões de criança de Nuno Santiago, mas dentro de si carregava o “‘bichinho’ da imagem”, por influência do pai fotógrafo, mas um acidente grave quase acabava com tudo.

“O meu pai era fotógrafo e, desde a primária, se houvesse uma festarola na escola, levava um rolo de 35 milímetros e de 36 fotos, sendo obrigado a chegar à loja com o rolo tirado”, recordou Nuno Santiago. No estúdio do pai, em Lamego, de onde é natural, tirou a primeira foto aos oito anos, e já era normal revelar fotos, mas aos 13 já fazia tudo. “Comecei a filmar por volta dos 12/13 anos, no laboratório usado que o meu pai adquiriu a um fotógrafo de Bragança, e nunca mais parei”, sublinhou, reconhecendo que foi “obrigado a treinar o olhar desde cedo”.

Nuno Santiago tem noção de que “o ‘bichinho’ já lá estava” e, por isso, seguiu viagem no mundo do pai, foi evoluindo, abraçou novos projetos, passando anos na RTP, funções que acumulou com a realização de casamentos, uma prática comum entre repórteres de imagem.

Sorte no azar

Em agosto de 2005, a 12, um grave acidente de viação mudou-lhe a vida, deixando-o com “limitações”.

“Naquela altura, era normal fazer uma direta por semana, mas, na anterior ao acidente, fiz três diretas seguidas e ia tendo dois acidentes. No dia, tinham-me avisado que estava estranho, mas não liguei, porque até tinha dormido seis horas”, contou Nuno Santiago, recordando tudo ao pormenor.

Estava a sair de Braga, não tinha comido ou bebido nada e fazia muito calor. “Desidratei e tive uma quebra de tensão. Apercebi-me do que estava a acontecer, mas não tive reação e o carro voou na saída do viaduto”, precisou.

Nuno fraturou 10 vértebras, que o deixaram “com limitações”, mas contrariou a vontade dos médicos para continuar a fazer o que mais gosta.

“Já prevariquei algumas vezes, mas nunca mais naquele ritmo, porque me serviu de lição”, concluiu o residente em Gandra.

 

FOTO: A foto foi tirada à porta do café onde decorreu a conversa e por indicação do entrevistado. Seguindo a sua orientação, e para não queimar a luz, o limite do enquadramento foi o final da parede.